TRILHAS E SUAS POTENCIALIDADES COMO RECURSO PEDAGÓGICO NO ENSINO DE GEOGRAFIA: Trilha da Escola Bosque-Samaúma.

Valter Gama de Avelar[1]

Katia Silene de SouzaGuedes[2]

[1] Doutor em Geociências e professor/pesquisador Associado IV, dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação/Mestrado em Geografia, da Universidade Federal do Amapá; Coordenador do GPGEO/UNIFAP. email: valtergamaavelar@gmail.com ; homepage: http://www.valteravelar4geos.com

[2] Geógrafa, Professora da Rede de Ensino Público do estado do Amapá. email: katiasilene13@hotmail.com

Este trabalho resultou das pesquisas desenvolvidas no Trabalho de Conclusão de Curso, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Graduação em Licenciatura Plena em Geografia da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Integra as pesquisas do Grupo de Pesquisa GEOdiversidade do Amapá/GPGEO, no subgrupo Projeto Série GEOambiental/PSGEO da UNIFAP. Com o tema, Trilhas e suas Potencialidades como Recurso Pedagógico no Ensino de Geografia: Trilha da Escola Bosque-Samaúma. Trata-se de uma pesquisa de natureza aplicada, com abordagem qualitativa e quantitativa e com análise descritiva, exploratória e empírica, orientada pelos usos de levantamentos bibliográficos, documentais e pelas coletas de dados através de observação de campo.

Foi realizado um estudo de caso, com alunos do 6º ano da Escola Estadual Osvaldina Ferreira da Silva (EEOFS), nas Trilhas da Escola Bosque-Samaúma (TEBS), localizada no distrito da Ilha de Santana. A Ilha de Santana, situa-se, no rio Amazonas, no chamado canal do norte, logo em frente da sede urbana do município homônimo, que dista cerca de 12 Km de Macapá, capital do estado do Amapá. O acesso ao município de Santana pode ser realizado pelas vias rodoviária e fluvial. O acesso rodoviário é realizado através das rodovias Juscelino Kubitschek, BR-156 e AP-020. O acesso via fluvial pode ser realizado através dos rios Amazonas, Matapi e Vila Nova. A Figura 1 ilustra a localização geográfica do município de Santana, em relação ao Estado do Amapá e suas interações com os municípios vizinhos de Macapá, Mazagão e Porto Grande, bem como a Ilha de Santana.

Figura 1 – Mapa Político do Estado do Amapá, ilustrando o município de Santana, em azul. Fonte: Silva (2013).

A Figura 2 ilustra, em A) aspectos do rio Amazonas durante a travessia da sede urbana de Santana-AP, para a Ilha de Santana, local onde situa-se a TEBS. Em B) visão da rampa do porto, onde as “catraias” (*pequenas canoas motorizadas) e as embarcações de pequeno porte que embarcam e desembarcam passageiros na Ilha de Santana.

Figura 2 – Travessia para Ilha de Santana. Em A) Rio Amazonas e em B) Rampa de acesso a Ilha de Santana-AP. (Fotos: Katia Guedes, 2016)

Como primórdios, buscou-se a aplicabilidade das trilhas como instrumentos para potencializar as atividades pedagógicas no ensino-aprendizagem da disciplina de Geografia. A importância em aplicar as trilhas como recurso pedagógico reside no fato de que durante o processo, estão intrínsecos a construção de valores e o desenvolvimento de atitudes no que diz respeito à relação da criança/aluno e a natureza.

Neste trabalho, utilizou-se uma proposta integrada com questões ambientais com finalidades didáticas-pedagógicas, uma vez que teve como pressuposto, trabalhar os conceitos geográficos, de trilhas, de espaço geográfico e da educação ambiental junto com professores, alunos e comunidade local da Ilha de Santana. Apesar da EEOFS possuir um Plano Político Pedagógico, não foi constatado qualquer menção ao uso das trilhas como ferramenta para promoção do ensino-aprendizagem de seus alunos. Desta forma, este trabalho serviu como um instrumento utilizado para sensibilização dos professores e das crianças de modo a utilizarem e de preservação do meio ambiente em que vivem.

A Escola Bosque nasceu sob o signo da educação ambiental, de um diálogo entre os movimentos sociais da Ilha de Caratateua, uma ilha nas proximidades da cidade de Belém, no Pará, e o poder público local. Esse diálogo iniciou em 1993, sob os auspícios da divulgação das questões ambientais demandadas pela ECO-92, conferência mundial sobre o meio ambiente, realizada em 1992, no Rio de Janeiro, no Brasil.

Vale acrescentar que para os moradores da floresta o rio representa o que a rua representa para o homem no meio urbano de uma cidade. Em outras palavras, os rios são como às ruas e avenidas, e, as embarcações se comparam com os veículos que transitam pelas ruas da cidade. De acordo com Costa (2008) as hidrovias na Amazônia são “vias naturais para o transporte da região”. Neste contexto é que muitos alunos e professores utilizam diariamente a travessia do rio Amazonas entre a ilha e a sede urbana do município, e vice-versa.

A Figura 3 ilustra, em detalhe, o acesso a TEBS, desde o desembarque no porto da ilha, através de um ramal de acesso, que passa pela EEOFS, até chegar propriamente dito na TEBS, onde foram observados 6 paradas de contemplações e de observações atinentes ao meio ambiente, iniciando em sentido anti-horário pela: Escola Bosque; Samaúma; Sapucaia; Campo da Samasa; Agricultura Familiar e, finalmente, a Ponte do Igarapé do dourado, a partir do qual retorna-se ao ramal de acesso a EEOFS, fechando assim o circuito da trilha.

Figura 3 – Mapa da Trilha Escola Bosque Ilha de Santana-AP, e seus pontos potenciais.

Com base no levantamento de dados e convívio com os moradores da comunidade foi construído um “mapa mental”, tipo “croqui” de localização e caracterização da TEBS e seus pontos de observações. A Figura 4 ilustra um croqui, a partir da percepção (mapa mental) de um morador da Ilha de Santana, o Sr. Altamir Guiomar dos Santos, que participou da experiência. Pode-se com isso confirmar a premissa de que as trilhas são instrumentos de grande importância na melhoria do ensino em geografia e do conhecimento empírico da população.

Figura 4 – Croqui da Trilha, desenhado pelo Sr. Altamir Guiomar dos Santos, um dos moradores da Ilha demostrando o sentido da caminhada (início e fim), bem como, os principais pontos visitados na trilha: Ponto 1 – Escola Bosque; Ponto 2 – Samaúma; Ponto 3 – Sapucaia; Ponto 4 e 5 – Ramal da Samasa/Agricultura Familiar; Ponto 6 – Igarapé do Dourado.

A seguir serão mostradas imagens que retratam cada ponto visitado na TEBS:

Ponto 1. ESCOLA BOSQUE DE SANTANA (Figura 5) – A Escola Bosque Amapaense começou a ser construída em janeiro de 1996, na gestão do então governador do Amapá João Alberto Capiberibe, em uma área já devastada naturalmente, ocupando cerca de 4.000m², nas margens da Lagoa Dourada. Diante dos relatos históricos proferidos por moradores da comunidade local, os alunos iniciaram suas anotações sobre o histórico e função da Escola Bosque. Posteriormente um relatório contendo aquelas informações foi apresentado como uma das atividades avaliativas da disciplina Geografia (Figura 5).

Figura 5 – Inicio da aula de campo na TEBS. Em A) Identificação da Trilha e em B) Estrutura da Escola Bosque (Fotos Katia Guedes, 2016)

Ponto 2:  SUMAÚMA NA FLORESTA DE VÁRZEA (Figura 6) – A samaumeira (nome científico: Ceiba Pentandra), é, sem dúvida, o principal cartão postal da Ilha de Santana. Trata-se de uma árvore de grande porte, podendo atingir até 50 m de altura e caule com mis 2 m de diâmetro, no seu terço médio, posto que no solo, suas raízes se espalham em um raio de até 22 metros (Figura 6). A casca tem cor verde-acinzentada e é revestida de acúleos, pontiagudos quando as plantas são juvenis, mas que depois tornam-se predominantemente cônicos. As folhas são compostas, digitadas, alternas, longo-pecioladas, com 5 a 7 folíolos dígito-palmados, muitas vezes denteados na parte superior. O fruto é uma cápsula de aproximadamente 5 a 7 cm de diâmetro por 8 a 16 cm de comprimento, com 120 a 175 sementes envolvidas por paina, arredondadas, de cerca de 6 mm de diâmetro (Lorenzi, 2002; Santos, 2002; Revilla, 2001). Neste ponto, a professora comentou que a Sumaúma encanta com suas lendas e com seu espírito invocado pelos pajés em rituais de cura. É também considerada o telefone da floresta, posto que ao bater em suas sapopemas (raízez) faz com que elas emitam um som oco que ecoam floresta adentro, anunciando a presença de alguém em seu tronco.

Figura 6 – A e B) Contemplação da Samaumeira, raíz da Samaúma. (Foto Katia Guedes, 2016)

Ponto 3 – ÁRVORE DE SAPUCAIA – Nome cientifico Lecytis pisonis (Figura 7)

Conhecida popularmente como castanha sapucaia, marmita-de-macaco, cumbuca-de-macaco ou simplesmente “sapucaia”, esta árvore da família Lecythidaceae tem origem brasileira e ocorre desde o Rio de Janeiro até o norte do Brasil. Pode atingir 20 a 30 metros de altura, com tronco de 50 a 90 centímetros de diâmetro a altura do peito (DAP), (Figura 7). As amêndoas aromáticas e oleaginosas da sapucaia podem ser consumidas cruas, cozidas ou assadas, constituindo-se em excelente alimento. Dentre as muitas interações, mencionou-se sobre a importância desta árvores para a natureza, como a sua contribuição para a manutenção do clima, as raízes que retêm o solo impedindo a erosão e ainda auxiliam na captação de águas pelos lençóis subterrâneos. Produz ainda sombra, alimentos, servindo também para a manutenção dos rios, lagos, conservação do solo, lazer (rapel, por exemplo).

Figura 7 – Parada para palestra sobre a paisagem e a importância da árvore da sapucaia. Em A) Árvore de Sapucaia no percurso da Trilha. E em B) Alunos observando paisagem (Fotos Katia Guedes, 2016)

Ponto 4 e 5 – RAMAL DA SAMASA/AGRICULTURA FAMILIAR (Figuras 8 e 9) – As características fitofisionômicas no Estado do Amapá foram identificadas por Leite, Veloso e Filho (1974), através do Projeto RADAM, pela ocorrência das classes de formação Cerrado de acordo com a Figura 8, Formações Pioneiras, Floresta Tropical Densa, Floresta Tropical Aberta, contato (zonas de transição) e refúgios (afloramentos rochosos). As Formas Florestadas incluem as fitofisionomias: Floresta de Terra Firme; Floresta de Várzea; Floresta de Transição e Manguezal. As Formas Não-Florestadas incluem: o Cerrado e os Campos Inundáveis ou de Várzea (Figura 8)

Figura 8 – Área de Cerrado. Em A) área de Cerrado pertencente a APROSOJA; e em B), caminhada seguindo para Igarapé do Dourado (Fotos Katia Guedes, 2016)

Propostas de modelos alternativos de desenvolvimento agrícola surgiram a partir da década de 1960, visando o desenvolvimento econômico e socioambiental, de maneira a conscientizar sobre as características negativas do “mundo desenvolvido”, em relação à poluição e degradação ambiental (SANTOS, 2004). Segundo Homma (1993), no Brasil 39,8% dos estabelecimentos familiares agrícolas possuem sob qualquer condição, menos de 5 ha, o que na maioria dos casos inviabiliza sua sustentabilidade econômica através da agricultura, com exceção de algumas atividades econômicas, localização privilegiada e/ou grau de capitalização.

De acordo com Embrapa (1998), a atividade agrícola, apesar de pouco desenvolvida, é a atividade que se destaca na área da Ilha de Santana, com o objetivo de melhorar o seu desenvolvimento, no que se refere ao aumento da diversificação e produção de alimentos. Desse modo, os alunos terão oportunidade de interação com os agricultores da Ilha, a qual foi explicada a técnica para plantio das hortaliças como desmatamento, queimadas e adubação, conforme Figura 9, além de plantas medicinais como boldo, amor crescido utilizado pelos agricultores.

Figura 9 – Agricultura Familiar. Em A) Algumas hortaliças cultivadas e em B) Plantas medicinais em exposição na Escola. (Fotos: Katia Guedes, 2016)

Ponto 5 – IGARAPÉ DOURADO (Figura 10) – Os alunos foram instigados a observarem a paisagem; definição do termo Igarapé (*Pequeno rio, por vezes navegável; AURÉLIO, 2004). Foi esclarecido ainda aos alunos que na Amazônia, os rios e igarapés são essenciais para alimentação, por serem ricos em espécies de peixes e meio de transporte e lazer, além, é claro, de sua grande importância para a biodiversidade (Figura 10).

Figura 9 – Igarapé do Dourado. Em A) Ponte de acesso e em B) período de cheia no igarapé do Dourado (Fotos: Katia Guedes, 2016)

A aplicabilidade e o potencial da trilha proporcionaram ao professor da EEOFS um auxílio no processo de ensino-aprendizagem da geografia, possibilitando ao aluno o desenvolvimento do conhecimento de leitura de mundo, que dificilmente seriam encontrados em aulas teóricas apresentadas em sala de aula. A TEBS possui um potencial pedagógico que estimula os alunos a serem mais envolvidos nas aulas, tornando-os bastante participativos, sendo que os mais curiosos queriam saber o que encontrariam na trilha, como seria a aula de campo, quais bichos iriam encontrar. Outros queriam saber o nome das árvores e outras plantas que encontravam no percurso.

No decorrer da trilha, os alunos tiveram diversos momentos de interação e debates nos pontos potenciais, surgindo questionamentos e diálogos dos mais variados. E alguns casos, também participavam relatando seus conhecimentos adquiridos com seus pais e os conteúdos ensinados em sala de aula.

Embora a aula de campo seja uma atividade realizada extraclasse, ela não pode ser tratada como um mero passeio. Da mesma maneira, embora seja uma atividade prática, a teoria deve embasar todas as discussões. A organização e o planejamento, divididos entre as diferentes etapas: Pré-campo, Campo e Pós-campo, são fundamentais para que os alunos estabeleçam relações entre o conhecimento sistematizado e o cotidiano.

Assim, ficou evidente por meio da pesquisa realizada no campo escolar, que as aulas tradicionais de ensino, desestimulam os alunos perante os assuntos geográficos. A pesquisa apontou para a mudança metodológica dos professores na qual a aula de campo com trilhas parece ser um recurso pedagógico que mais proporciona o estímulo dos alunos em prol da construção do conhecimento prático.

Por fim, a utilização das trilhas representa grande potencial no processo de ensino e aprendizagem nas aulas de geografia, pois expressam significados práticos para as aulas e dinamizam o ensino da mesma, despertando o interesse e a curiosidade pelo entendimento dos demais conteúdos geográficos.

O Links abaixo, trazem uma reportagem e um vídeo apresentado na Rede Amazônica, no dia 04/12/2014, sobre As belezas da Ilha de Santana, lugar que foi palco das gravações do filme Tainá 3, no Amapá.

http://redeglobo.globo.com/redeamazonica/tv-amapa/noticia/2014/12/confira-o-ultimo-episodio-da-serie-ilha-de-santana-do-bom-dia-amazonia.html

https://globoplay.globo.com/v/3808732/

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5 comentários em “TRILHAS E SUAS POTENCIALIDADES COMO RECURSO PEDAGÓGICO NO ENSINO DE GEOGRAFIA: Trilha da Escola Bosque-Samaúma.

  1. Excelente artigo que trata sobre o processo ensino aprendizagem com aplicação de trilhas ecológicas.

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    1. Obrigado querido Vagner Lins. Espero em breve fazer outras trilhas com vocês.
      GEOabraço

      Prof. dr. Valter Gama de Avelar
      Coord. Grupo de Pesquisa GEOdiversidade do Amapá/GPGEO

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  2. Nossa muito bom conteúdo o Ecoturismo Comunitário Agradece.

    Espero que leve para a Apa da Fazendinha uma pesquisa assim.

    Sei que tem um amigo de profissão já articulando essa ídeia com vc.

    Parabéns a todos envolvidos

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    1. Olá Izabela Madureira. Obrigado pelo seu comentário e sugestão.
      Informo que orientei uma dissertação de mestrado cuja a´rea justamente foi a APA da Fazendinha e cujo tema foi: “OCUPAÇÃO, USO E DEGRADAÇÃO NA TERRITORIALIDADE DA APA DA FAZENDINHA (AMAPÁ-AMAZÔNIA – 1974 A 2010)”, Glauciela Sobrinho Cunha Pantoja Ferreira, sob orientação de Dr. Valter Gama de Avelar[1]
      – Mestrado em Desenvolvimento Regional/MDR da UNIFAP, ano de 2010.

      Espero em breve estar publicando algo sobre a APA da Fazendinha.
      Disponha sempre.
      GEOabraço

      Prof. dr. Valter Gama de Avelar
      Coord. Grupo de Pesquisa GEOdiversidade do Amapá/GPGEO

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